quinta-feira, 27 de maio de 2010

A arte de ser feliz

Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Autor: Cecília Meireles

Um comentário:

  1. "Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
    finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim."

    Quantas vezes não valorizamos as pequenas coisas em detrimento das "grandes"? Além disso, precisamos nos contentar com a felicidade do nosso próximo, como se a nossa fosse. Acredito que quando isso não ocorre, acontece como nossa grande Cecília menciona, é "preciso aprender a olhar". Vemos superficialmente e esquecemos de adentrar na alma e essência singular do ser humano.
    Qual a arte de ser feliz? Para mim é algo bastante simples: viver exacerbadamente, sendo nós mesmos, tendo a noção de que não temos 7 vidas mas com esta aqui podemos e temos chances de torná-la cativante, embora surjam espinhos e pedras pelo caminho. "E agora, José?" Tenho o sentimento do mundo e vou de mãos dadas, diria Drummond... Eu completaria: também tenho os meus sentimentos e cabe a mim pintar um pedaço do muro da existência para torná-lo um pouco melhor.
    Bj!

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